quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Memórias do subsolo, de Fiódor M. Dostoiévski

“Mas como sabeis que o homem não apenas pode, mas deve ser assim transformado? De que concluís que à vontade humana é tão indispensavelmente necessário corrigir-se? Numa palavra, como sabeis que uma tal correção realmente trará vantagem ao homem?” (DOSTOIÉVSKI, 2009, p. 45).

Desde janeiro de 2016 que estou um tanto que curiosa ou encanta com a Literatura russa. Nesse ano, tive a oportunidade de ler obras de Dostoiévski, Tolstói, Gógol e Tchekhov. Embora eu admita que, sinceramente, sei pouquíssimo sobre a Literatura russa e ainda tenho muito para ler, mesmo sem entender a profundidade dessas obras, posso afirmar que são esplêndidas. As narrativas, o teor emocional, os personagens, as críticas. É um tanto cativante. Recentemente, aliás, meio que recomendei tanto uma obra russa que certa pessoa começou a lê-la e, não por caso, está adorando a leitura. Ao mesmo tempo, consigo ver que há um certo receio alheio em ler obras russas e clássicas, seja pelo desconhecimento ou qualquer outro motivo. E, dependendo de por qual obra comecem, talvez pareça um tanto "pesado" mesmo. Por isso, decidi compartilhar um pouco da minha leitura de uma obra de Dostoiévski, Memórias do subsolo. Li este livro para a Maratona Literária do IBL, em dezembro, na categoria "clássico". De início, a leitura me soou bem arrastada; eu não estava num momento tranquilo para ler algo tão 'feroz'. Não pude evitar de me questionar por que não estava aproveitando uma leitura de um autor tão bom. Acabei largando o livro por uns dois dias antes de retomar a leitura e, finalmente, conseguir aproveitar o restante da leitura. Devo admitir que a primeira parte do livro exige um pouco mais de fôlego, pois é um monólogo de um personagem que, de acordo com o tradutor Schnaiderman, transborda. Fico um tanto na dúvida se recomendaria esta obra para quem queira começar a ler Dostoiévski, dado que achei a primeira parte mais "densa" do que esperava, mas admito que ela deve, sim, ser lida em algum momento. 


Esta novela é dividida em duas partes: O subsolo e A propósito da neve molhada. Numa visão geral, pode-se dizer que a primeira parte é mais reflexiva, contemplando possíveis aspectos do ser humano, enquanto a segunda parte é mais voltada às memórias do narrador, em que se vê o protagonista em algumas situações pelas quais passou, o que permite uma imagem mais nítida, eu diria, dele. Embora a primeira parte seja mais densa e a segunda seja mais "tranquila", fora da primeira que marquei muitas citações incríveis. Acabei relendo O subsolo para escrever este texto, de fato não aproveitei esta parte na primeira leitura, e acho que a relerei futuramente, mais um vez  por enquanto, sinto que me falta mais bagagem.

Em O subsolo, vê-se um monólogo sobre o ser humano, diferenciando o homem comum, direto e das ações  se entendi esta parte, é claro  do homem do subsolo, como o protagonista  que diz viver nesse subsolo (não literalmente) há quarenta anos. Em suas falas, enquanto se dirige aos "senhores" com quem conversa  locutores imaginários, ao que parece –, além de expor essa diferença entre os homens, discorre sobre vingança, sobre as vontades do ser humano, o livre-arbítrio.

"O homem precisa unicamente de uma vontade independente, custe o que custar essa independência e leve aonde levar. Bem, o diabo sabe o que é essa vontade..." (DOSTOIÉVSKI, 2009, p. 39).

Para o narrador, ao ser humano, parece mais que necessário o livre-arbítrio, que este não se sinta comandado por "forças maiores" ou "calendários"; aliás, parte disso chegou a me lembrar um pouco de ficção científica. Em Memórias do Subsolo, expor questões referentes ao ser humano como indivíduo e sociedade, entre seu lado racional e emocional, parece mais do que apenas um monólogo do homem do subsolo. Quase como um recado de que há uma base na nossa sociedade, que continua sendo utilizada e fortalecida e qualquer mudança pode acarretar ondulações imensas. Não é estranho observar que a raiva, a contenção e a vingança (contraponto com a justiça) apareçam tanto na obra, a partir das palavras e ações do narrador, que é um homem do subsolo. Ao ser humano, parece destacar o desejo de ter controle e não ser controlado; de poder dizer que tem a capacidade de escolher e tomar decisões. Mesmo que estas o prejudiquem.

"Que sabe a razão? Somente aquilo que teve tempo de conhecer (algo, provavelmente, nunca chegará a saber; embora isto não constitua consolo, por que não expressá-lo?), enquanto a natureza humana age em sua totalidade, com tudo o que nela existe de consciente e inconsciente, e, embora minta, continua vivendo." (DOSTOIÉVSKI, 2009, p. 41).

Não é recente o debate entre a razão e a emoção, mas ouso dizer que, embora parece um pouco óbvio depois de ler, admito que me impressionei com a frase acima quando entendi parte dela. Afinal, quando seguimos o lado racional não significa que estamos tomando a melhor escolha, dado que a nossa "razão" partirá de nossos conhecimentos e experiências, que podem não ser o suficiente em dadas situações para que seja feita a escolha certa. Nisso, parece interessante observar, mais em relação à segunda parte da novela, os "conflitos" pelos quais o narrador passa, tomando decisões das quais seu lado racional poderia não concordar, e das quais seu emocional o impelia a agir. Só parece plausível pensar, após essa leitura, que nem racional nem emocional podem estar certos, tendo-se que medir a escolha a partir de ambos.

“Fica ainda uma pergunta: para que, em suma, quero eu escrever? Se não é para um público, não se poderia recordar tudo mentalmente, sem lançar mão do papel?” (DOSTOIÉVSKI, 2009, p. 54).

Pensando sobre o que li nesta novela, e uma meia resenha que li  porque não cheguei a terminar de lê-la –, parece-me inútil estar até mesmo escrevendo essas minhas frases fracas sobre a obra. E, junto a isso, uma reflexão acerca da situação acima. Para o narrador, não havia um público, ele o "criou" para que soasse mais "solene"; ou mesmo porque o ato de escrever possa ajudá-lo a libertar memórias que o pressionam. Não muito longe da ideia de se livrar de memórias fortes, imagino que escrever sobre uma obra seja uma forma de se pensar sobre ela, em seus pontos bons e ruins, antes de se iniciar uma nova leitura; um modo de pensar, como o é para a Sumire de Minha Querida Sputnik (Haruki Murakami). Isso, aliás, me fez pensar neste blog, para que eu o criei, se podia escrever sobre minhas leituras e simplesmente deixar numa pasta do computador; talvez pela motivação. Ou só porque espero que, caso alguém leia um de meus textos, sinta-se convidado a ler algum desses livros incríveis. Só espero que meus textos (os positivos) não acabem fazendo o contrário; ou que seja decepcionante lê-los. Apesar disso, retomo à obra, e recomendo a leitura, talvez não como "iniciação" a Dostoiévski ou aos russos, mas fica a recomendação futura, de qualquer modo. 


"Imaginava, para mim mesmo, aventuras e inventava uma vida,
para viver ao menos de algum modo." (DOSTOIÉVSKI, 2009, p. 39).

DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Memórias do subsolo. Tradução, prefácio e notas de Boris Schnaiderman. São Paulo: 34, 2009. 152 p.

6 comentários:

  1. Olá Paula,
    Literatura russa é muito amorzinho. Eu comecei a ler por Anna Karienina. Fui com a cara e muita coragem, mas valeu muito a pena, porque amo de paixão esse livro do Tolstoi. Apesar de não conhecer todas as obras do Dostóievski, eu considero Memórias do Subsolo como um dos mais difíceis dele. Quando li, eu precisei tomar muito fôlego, porque não é um livro fácil. Foi uma das leituras mais exigentes e olha que este livro não é grande. E é como você mesma disse, falar desse livro não é fácil. Cabe ao leitor fazer essa tarefa. No mais, parabéns pela resenha, ficou excelente.


    Abraços,

    Leonardo

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    1. Olá!
      Sim, é muito amorzinho mesmo! Estou lendo 'Anna Kariênina' agora, uma obra excelente também. Atrevo a dizer que estou achando essa leitura mais fluida que as obras dos Dostoiévski - digo a narrativa, principalmente.
      Admito que não li muitas obras dele, mas concordo contigo, 'Memórias do subsolo' é a mais difícil das que li até o momento; pelo menos na primeira parte do livro. Mas é como dizem, né? "Tamanho não é documento".

      Obrigada! =)

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  2. Olá,
    Creio não ter coragem de encarar este livro tão cedo, pelo teor "pesado" que ele possui
    No momento estou lendo um livro do Dostoiévski, e espero ler mais livros dele em breve
    Embora ainda esteja entrando no mundo da literatura russa, concordo que ela em muito atrai apesar das muitas reflexões
    Boas leituras

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    1. Olá!
      Pois é, acho que se precisa de um pouquinho de coragem para lê-lo. Mas não desanime pelo meu comentário; vale a pena lê-lo. =)
      Leia sim! 'Crime e Castigo' é muito bom também, aliás, recomendo.
      De fato. Tem bastantes reflexões, e esse é um dos pontos lindinhos das obras. ;)
      Talvez arrisques a ler Tolstói? Tem uma densidade diferente.
      Boas leituras pra ti também.

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  3. Oi, Paula. Tudo bem?
    A Literatura russa foi uma grande surpresa para mim, confesso que sempre tive medo, não sei porque. Li um conto do Tolstoi em 2015 e achei fácil, mas pensei que fosse por ser um conto. Agora, lendo Anna Kariênina, estou apaixonada pela escrita fluida do Tolstoi, mas claro, não posso dizer que todos os russos escrevem de maneira clara e simples baseada na minha única experiência de leitura de um único autor(a).

    Sobre comentar leituras que ficam confusas, isso acontece. Acho válido vc registrar aqui suas impressões, quem sabe, um dia, vc relê a obra e vem aqui ver, não é?

    Por fim, achei muito interessante essa 3ª citação, nem sempre quem com razão, age certo. Nunca tinha pensado nisso e agora faz muito sentido.

    Bjin, Hel.

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    1. Oi! Tudo e contigo? :)
      Pelo que diz, imagino que tenha sido uma surpresa boa; e isso é bom. Pois é, meu primeiro contato com o Tolstói foi com um gênero menor também, no meu caso, uma novela, e já havia achado fluida, mas olha que acho que a narrativa de 'Ana Kariênina' me parece mais fluida, diria até um tanto mais leve, apesar do tamanho imensamente maior.
      Não posso afirmar muita coisa, mas te digo que, pelo que li até o momento, os russos têm, num geral, uma linguagem assim, diria, envolvente. Dostoiévski me parece um pouco mais denso, mas recomendo igual, apesar de indicar que comece a lê-lo por outra obra, talvez 'Crime e Castigo' ou 'Os irmãos Karamázov' - embora grandinhos, são ótimos livros.

      Verdade. Que bom que achas isso. ^^
      Sim, um dia quem sabe eu a releia e terei algo para comparar as leituras feitas. Espero que até lá eu tenha uma visão melhorzinha para a obra.

      Pois é. Eu também não tinha pensado até ler. Volta e meia me surpreendo com algo assim lendo russos. São um tanto profundos, não?

      Espero que, caso leias mais obras russas, aproveites a leitura. =)

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