“E, todavia, ser incompreendido, é esse o destino da gente!” (GOETHE, 2014, p. 21).
Dizem com
muita frequência que a única certeza que temos na vida é a morte. Todos os
seres vivos um dia morrerão! Essa morte pode se dar naturalmente – por velhice
–, por doenças, acidentes ou... Por vontade de extinguir a própria vida. Sim,
suicídio. Apesar de ser um ato individual que não provoca efeitos físicos em
outros seres vivos, o suicídio costuma ser um tabu, algo que as pessoas evitam
pensar, até que, por um motivo ou outro, são obrigadas a pensar a respeito.
Seja um personagem de livro que se suicide, ou algo da vida real. Seja
conhecido ou completo desconhecido. O maior fato, e talvez mais trágico do que
o próprio suicídio, é que as pessoas não sabem lidar com isso, não possuem um
pensamento mais complexo do que “covarde”, “não devia ter feito isso”, “devia
ter esperado a situação se acalmar” etc. Não exponho essa questão como se
soubesse ou já tivesse lidado com isso, mas, como muitas pessoas, em algum
momento da minha vida, já pensei a respeito sobre isso – e é isso que considero
importante, pensar a respeito. Antes de qualquer outra coisa, convém relembrar
que cada caso é um caso, que tudo é relativo, e que se deve, sempre que
possível, evitar os conceitos prévios e equivocados que fazemos dos outros.
“De resto, meu caro, dia a dia vejo com mais clareza quão estúpido é o ato de julgar os outros pelas nossas próprias faculdades.” (op. cit., p. 91).
É
compreensível que as pessoas não gostem de tocar nesses temas, pois por vezes
estão envoltos por camadas tão frágeis de nossas próprias existências que
tememos essa fragilidade, o desconhecido que vem disso, o sofrimento e a
angustia de saber que, na verdade, nada sabemos. Mesmo agora, escrevendo sobre
isso, parece-me que mesmo cem páginas que eu viesse a escrever ainda estariam
incompletas, sendo apenas um poucochinho insignificante sobre a extensão e
complexidade que é o ato de tirar a própria vida. Meus conhecimentos sobre isso
se resumem ao que li e refleti em alguns poucos livros de Literatura. Se me
recordo bem, os livros mais recente que li sobre isso foram: A
playlist de Hayden (Michelle Falkoff), que li em 2015, apesar de que este
livro bonitinho era mais sobre bullying do que sobre suicídio; e A
elegância do ouriço (Muriel Barbery), em que uma das narradoras decide pôr
fim a sua vida no seu aniversário de treze anos caso não encontre um sentido
para a vida – a citação abaixo é uma fala dessa adolescente sobre suicídio.
Enfim, a questão é que posso estar aqui falando besteira e comentando muito mal
sobre um livro fantástico. Peço desculpas, afirmando que meu único objetivo é
colocar para fora, jorrar em palavras o que penso sobre isso – pelo menos uma
parcela disso –, e agradeceria se corrigissem quaisquer eventuais comentários
equivocados.
“E também, acima de tudo, lancei a mim mesma um pequeno desafio: se a gente se suicida, deve ter certeza do que faz e não pode queimar o apartamento “a troco de nada”. Então, se existe alguma coisa neste mundo pela qual vale a pena viver, não devo perdê-la, pois, quando estiver morta, será tarde demais para ter arrependimentos e porque morrer por termos nos enganado é, de fato, muito idiota” (BARBERY, 2008, p. 36, Paloma).
Por mais
óbvio que possa ser, no fim das contas, ninguém sabe o que acontece depois da
morte. Ninguém sabe se o suicida tem um destino diferente. Quem sabe acabe tudo
da mesma forma. Quem nos dirá?
Apesar dessa
introdução grandinha, devo dizer que este texto é, na verdade, uma espécie de
resenha de um livro simplesmente fantástico que aborda esse assunto: Os sofrimentos do jovem Werther, do
alemão Johann Wolfgang von Goethe. Escrito em 1774, e com muitos pontos que
provém da realidade, isso é, com muitos fatos autobiográficos e com episódios de
fato acontecidos – mas não o é toda literatura uma cópia de parte da realidade?
–, a obra é uma junção de várias cartas do jovem Werther a seu amigo Guilherme
e, posteriormente, a Carlota e Alberto. Se fosse para descrever em uma frase,
usaria a disposta na contracapa do livro – pela edição da L&PM –, “Uma
paixão devastadora e mortal”. Mesmo para aqueles que não conhecem a obra, não
considero um spoiler maldoso dizer que o jovem Werther, o protagonista
sentimental e romântico, acaba por se suicidar. Mesmo a quem considere isso um
spoiler, afirmo: Leiam! Eu li com a quase certeza de que ele se mataria, li já
percebendo as deixas de que poderia ser levado a isso, de que poderia ser capaz
de dar fim a própria vida, e a experiência, asseguro, foi maravilhosa. Um livro
singular que fala de suicídio como nenhum outro da Literatura que conheço e li
até então – aceito recomendações, aliás. E que, além disso, consegue abordar
tantas outras coisas! Consegue falar de classes sociais, de trabalho, de
amizade, de mau humor! Já pararam para pensar no quanto o mau humor, nosso próprio mau humor, afeta a nós a
ao nosso meio?
“Não será o mau humor muito antes uma insatisfação íntima com a nossa própria indignidade, um descontentamento com nós mesmos, que sempre vem atado a uma inveja, fomentada por uma vaidade insana? Vemos homens felizes cuja felicidade não é obra nossa e isso nos resulta insuportável.” (op. cit., p. 51).
A obra data
do século XVIII, mas algumas frases são tão atuais, que podemos refletir sobre
elas, assim, fora do contexto, como a citação acima. Sobre o nosso mau humor
conosco, nosso mau humor que provém da felicidade alheia não ser resultado
nosso etc. Pensemos um pouco: em pleno século XXI, como o mau humor nos afeta?
Às vezes, diria até muito frequentemente, acabamos passando esse mau humor aos
outros, descontando em pessoas que nada tem a ver com nossos assuntos. Quantas
vezes deixamos de ser bem atendidos por um funcionário incomodado com algo
totalmente desconhecido a nós? Quantas vezes descontamos a raiva, frustração ou
mesmo decepção em alguém que nada tem a
ver com o problema? Quantas vezes, sem perceber, nos incomodamos com tão
pouca coisa, deixando isso afetar todo nosso dia? De fato, devemos, às vezes,
desabafar nossos problemas, resolver a fonte de nosso mau humor etc. Afinal, é
fato que guardar tudo para si mesmo faz mal.
Às vezes,
tudo que falta é parar, respirar e ver o que se está fazendo. Ao mesmo tempo,
nessa época tão corrida, parece que isso é impossível. E, talvez, às vezes,
seja mesmo. Mas o que é o impossível ante toda uma vida pela frente? O que são
quinze minutos para evitar horas e horas de mau humor, desentendimentos e
arrependimentos?
(Não, isso não é um texto estilo
autoajuda! Ou talvez seja?)
Muitas vezes
o que falta é a pessoa se conhecer, compreender a si mesma, reservar um tempo
para descobrir-se, deixar se conhecer. Afinal, o “descontentamento com nós mesmos” (op. cit.) pode ser pouco ao início, mas
seu acúmulo pode deixar-nos cegos quanto à beleza que se expande ao nosso redor,
como quanto aos pequenos gestos gentis de nossos colegas. Conseguem ver a
relação disso com o suicídio?
Como já
disse, é uma questão bem relativa, bem subjetiva, que um texto tão curto quanto
este pode vir a ser o mesmo que nada, dado que cada caso é um caso. Bem, um
exemplo meio... Simples, talvez, seria pensar o seguinte: se não vejo em mim
mesma nada de agradável e passo a dedicar toda minha vida a uma pessoa que
considero maravilhosa, de modo que toda minha existência seja a contemplação e
atuação para a melhor condição dessa pessoa, quando esse ser partir, o que será
de mim? O que tenho em mim que me faça ter vontade ou mesmo coragem de
continuar? Nada, resta a morte. O suicídio pode vir a ser tanto um desgosto com
o mundo quanto um desgosto consigo mesmo.
Um exemplo
parecido com esse – acho que acabei de plagiar Goethe, sorry – aparece no livro, num trecho que acho incrível, disposto na
citação abaixo. Para que se melhor entenda o contexto da citação, convém agora
explicar o enredo da obra de Goethe. Werther, aparentemente, muda-se para outra
cidade (será que posso chamar de cidade?), para longe de seu amigo Guilherme,
sendo a partir de então que lemos suas cartas. De início vemos sua reação com o
local e com a natureza, vemos o rapaz sensível que ele é. Até que, ainda ao
começo, vemos que ele relata estar encantado, apaixonado por uma moça chamada
Carlota. Acontece que ela já está comprometida, noiva, de Alberto. Esse é, em
resumo, o enredo central da obra. Apesar de seu imenso amor por Carlota, ele não
pode ser correspondido, o que gera sentimentos e ações um tanto quanto
dramáticos. Tudo envolto no plano de fundo do sentimentalismo com a natureza e
com o que o cerca. Werther, numa conversa com Alberto – o noivo de sua amada –,
acaba por apontar uma arma descarregada à própria cabeça – num gesto sem a
intenção de se matar, pois sabia que
estava descarregada –, o que traz à
tona o assunto do suicídio. Nisso, Werther comenta a história de uma jovem moça
que dedica toda sua vida a um rapaz que a abandona, e, em meio ao diálogo,
expõe a fala abaixo.
“Ai daquele que, à vista disso, fosse capaz de dizer: ‘Que louca! Se tivesse esperado, se houvesse deixado o tempo correr, o seu desespero ter-se-ia acalmado e em breve encontraria um outro que a consolasse’. É exatamente como se alguém dissesse: ‘O louco vai morrer de febre! Se tivesse esperado até que suas forças voltassem, até que se houvessem corrigido seus humores e apaziguado o tumulto de seu sangue, tudo se restabeleceria e estaria vivendo até hoje’.” (op. cit., p. 72).
Muito se pode
dizer sobre esse trecho, mas gostaria de comentar que nem tudo é simples, que
esperar (não) resolve. Nem sempre se encontra uma pessoa que salvará sua vida
como se pode, possivelmente, encontrar em histórias contemporâneas – não digo
que é errada essa visão, pelo contrário, às vezes é muito bom saber que há algo
melhor à frente, que podemos encontrar um ponto de alívio. O que enxerguei no
trecho é isso: você pode esperar até morrer de velhice e não dar em nada; às
vezes, não há como esperar. A
realidade, queridas pessoas, nem sempre vai lhes pôr uma âncora na qual poderão
se fixar nos piores momentos que passarem. Não é querer ser pessimista, nem
realista demais. Num mundo ideal todos encontrariam esse ponto de salvação,
essa solução, essa paz... Mas o que vemos? Os suicídios continuam... Ao mesmo
tempo, não acho que isso seja um incentivo ao suicídio caso se esteja passando
por situações semelhantes. Pelo contrário! Vejo nisso, além de uma forma
incrível de encarar a vida por meio da
Literatura, uma forma de dizer que precisamos pensar e construir a nós mesmos,
quem somos, quem queremos ser. Além disso, a citação também demonstra outra
questão essencial: não devemos julgar sem saber o que a pessoa estava passando
e sentindo.
É comum
dizermos “há pessoas em situações piores” e julgarmos nossa situação indigna de
insatisfação. “Reclamas do frio? Há quem morra literalmente de frio”. Sabem,
precisamos, claro, levar em consideração nossa sorte de não estarmos pior, mas
precisamos, também, considerar que cada contexto é um contexto, que cada pessoa
possui um limite diferente. O que para mim pode não ser nada, ser o mesmo que
ver a poeira sendo varrida para a rua, para outra pessoa pode ser algo que lhe
arranque as entranhas! Enquanto para um sujeito tirar zero numa avaliação seja
o fim do mundo, para outro isso não significa nada.
“Essas são mais algumas das tuas extravagâncias”, disse Alberto. “Exageras tudo e, por certo, cometes pelo menos o erro de aceitar o suicídio, que é do que estamos falando agora, como se fosse uma grande ação, quando não é nada mais do que simplesmente fraqueza. Pois, para ser sincero, é mais fácil morrer do que suportar com firmeza uma vida de tormentos.” (op. cit., p. 69).
É fácil dizer
que foi fraqueza de uma pessoa, ou mesmo estupidez, ter se matado por “ser
abandonado”, mas será que sabemos como o sujeito realmente está? Será que
sabemos como realmente se sente em casa, consigo mesmo, com o mundo?
“A questão não é, pois, saber se um homem é fraco ou forte, mas se pode suportar o peso dos seus sofrimentos, quer morais, quer físicos.” (op. cit., p. 70).
Imagino que
pessoas com maiores conhecimentos sobre a mente humana ou assuntos relacionados
possam vir a falar melhor sobre isso. Portanto, focarei, agora, brevemente, na
obra de Goethe. Um primeiro ponto a se observar é a narrativa, que utiliza
bastante dos pronomes “vós” e “tu”, o que pode causar uma estranheza na
leitura. Fora isso, achei a linguagem fluída e, até, um tanto encantadora. São
várias cartas, então pode-se dizer que há alguns “furos”, algumas cenas e
episódios de que não temos conhecimentos, mesmo porque, sendo cartas, só temos
noção do que é contado ao destinatário. Além de que não sabemos o que contém
nas cartas que Werther recebia de resposta, apenas algumas menções nas próprias
cartas de Werther. De algum modo, durante a leitura, me lembrei de As
vantagens de ser invisível, de Stephen Chbosky. Apesar de bem diferentes, são
cartas, possuem narrativas fluídas e, por algum motivo, falam dessa amplitude da
existência humana. Mas pode ser só um equívoco meu.
Diria que
esta é uma das obras que tem de ser lidas em algum momento da vida. Pode ser
meio romântico demais para algumas pessoas? Pode. Talvez seja mesmo. Contudo, a
beleza de Os sofrimentos do jovem Werther não está apenas na superfície, em
ser um rapaz sensível que, pelas decepções da vida, tira a própria vida com as
armas do noivo de sua amada. A obra tem sua elegância nisso também, claro, mas
também por abordar um assunto tão delicado, em meio a tantos outros,
conseguindo, com certa sutileza e certo arrebatamento, falar de tópicos tão
fortes.
Por outro
lado, não posso deixar de pensar e comentar que muitas pessoas evitam o livro
justamente por isso, pelos temas fortes e pelo teor dramático. E me pergunto: Por
que evitar temas fortes? Por que evitar o drama?
Por fim,
convém questionar o seguinte: a obra pode ser considerada culpada ou associada
aos suicídios? Acho que, de algum modo, sim, mas, de outro, não. Diria que, no
máximo, a obra pode ser a última gota para o copo transbordar, o gatilho que as
pessoas precisam para se impulsionar a fazer algo. Mas jamais culparia a obra.
Ela jamais fará com que alguém se mate sem ter, anteriormente, essa tendência.
Porque a obra, a meu ver, mostra que o suicídio não é de todo uma fraqueza.
Talvez até que as pessoas precisam ser fortes para fazer isso. Precisam atingir
um limite de suas existências. Enfim... Cada caso é um caso, não devemos julgar
com os julgamentos e conceitos que temos. E que devemos pensar um pouco nisso.
“E é esta a característica mais evidente do nosso espírito, supor que é tudo confusão e trevas aquilo sobre o que não sabemos nada ao certo.” (op. cit., p. 143).
BARBERY,
Muriel. A elegância do ouriço. São
Paulo: Companhia das Letras, 2008. 7ª reimpressão. Tradução de Rosa Freire
d’Aguiar.
GOETHE,
Johann Wolfgang. Os sofrimentos do jovem
Werther. Porto Alegre: L&PM, 2014. Tradução, organização, prefácio,
comentários e notas de Marcelo Backes. 192 p. (Coleção L&PM POCKET; v.
217).
Adorei seu texto, por apontar questões tão humanas, mas que são tratadas como tabu devido ao receio das pessoas de pensar sobre elas e, assim, torná-las reais.
ResponderExcluirAchei bem interessante esse livro do Goethe e espero ter a oportunidade de lê-lo algum dia.
Ademais, adorei o seu blog e espero bem mais textos seus <3
Oi! Fico contente que gostasse~ *-*
ExcluirPois então, é curioso como se evita falar de certos assuntos...
Espero que também aproveites a leitura do livro futuramente~
Obrigada! <3
Espero que os textos não te decepcionem~